Attenzione pickpocket! Estão roubando sua atenção!
Definir a causa precisa de falhas atencionais é um dos grandes desafios da prática neuropsiquiátrica contemporânea. Quando alguém nos procura com sintomas de desatenção precisamos definir se estamos diante de uma pessoa com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), uma alteração do neurodesenvolvimento que tem início na infância mas que pode permanecer na vida adulta e levar a impactos relevantes em diferentes domínios da vida, ou se estamos diante de alguém com desatenção decorrente de hábitos comportamentais comuns na vida contemporânea ou mesmo, com falhas atencionais causados por outra condição clínica.
Segundo o filósofo sul-coreano Byng-Chul Han: “A atenção na era digital é manipulada de tal forma que nos tornamos, paradoxalmente, mais disponíveis e, ao mesmo tempo, mais dispersos”.
A “economia da atenção” busca captar a nossa atenção em todos os lugares e em todos os momentos. Neste jogo de interesses muitas vezes escusos ou mesmo explícitos, qualquer “moeda” é válida: um “like”, um compartilhamento, a busca por temas de interesse nas ferramentas de busca, um segundo a mais dedicado a determinado vídeo. A nossa atenção fragmentada se transforma em dados e os nossos dados são os verdadeiros "potes de ouro", uma commodity cobiçada pelas big techs.
Neste comércio contemporâneo globalizado estamos sempre em desvantagem, pois nossa capacidade atencional é um recurso finito. Ao participar do jogo, já começamos perdendo, deixando um fragmento da nossa atenção. A redes neurais que processam os diferentes tipos de atenção têm recursos limitados e susceptíveis a influências diversas: insônia, uso de medicamentos, multitarefas, uso de telas, alcoolismo, sedentarismo, uso de substâncias psicoativas, estresse, etc etc. Aos hábitos comportamentais inadequados se somam diversas condições clínicas que também afetam nossa frágil concentração: ansiedade, depressão, deficiências nutricionais, alterações metabólicas e hormonais. A lista de “pickpokets” da atenção é extensa. Torna-se difícil sustentar a concentração diante de tantas ameaças.
Para definição precisa diagnóstico e orientação terapêutica, a desatenção precisa ser avaliada com cuidado, atenção (sem ironia) e empatia. Pode ser apenas o sintoma inicial que leva uma pessoa com ansiedade, depressão, insônia crônica ou dependência química a procurar avaliação. O antropólogo Roy Richard Grinker afirma que “cada sociedade e cada momento histórico têm sua própria maneira de dar sentido à dor física e emocional”. Não tenho dúvidas: a desatenção constante, independente da causa, está entre as principais dores emocionais de nosso tempo.
*Ivar Brandi é médico neurologista
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias